No Dia Europeu da Internet Segura, o braço português da EU Kids Online revela, a partir de um inquérito paralelo ao Eurobarómetro 2008, que Portugal é um país de “singularidades” no contexto da União Europeia (UE) – não só pelo facto de haver “um enorme fosso geracional do ponto de vista da educação dos pais” para as novas tecnologias, mas também pelo interesse dos pais em terem os filhos como seus “auxiliares na entrada no mundo digital”. A coordenadora do EU Kids em Portugal, Cristina Ponte, sublinha que a “onda positiva” do computador Magalhães deveria ser capitalizada com uma aposta na formação dos jovens e dos pais.
Portugal é simultaneamente o país da Europa em que mais pais garantem estar sempre ao lado dos filhos quando estes usam a Internet e o 26º na União Europeia (UE) dos 27 no que toca ao uso da web pelos pais, segundo o Eurobarómetro 2008. Os resultados contraditórios de algumas das respostas dos pais portugueses no Eurobarómetro levaram a EU Kids a fazer entrevistas abertas sobre os mesmos temas, para esclarecer alguns comportamentos.
“Há uma contradição no Eurobarómetro: os pais que dizem que fazem pouco uso da Internet [só 32 por cento dos pais portugueses usam a web pelo menos uma vez por dia, quando a média da UE é de 54 por cento] e ao mesmo tempo aparecem em primeiro lugar a nível europeu como os que mais controlam [30 por cento dizem estar sempre ao lado dos filhos na net; a média europeia é de 13 por cento] e que vêem os históricos e e-mail [35 por cento garantem fazê-lo, em contraste com a média europeia de 22 por cento]”.
Ora estas respostas espelham “uma série de actividades que exigem saber informático”, sublinha Cristina Ponte, docente da Universidade Nova de Lisboa, que apresenta hoje num encontro da Plataforma Internet Segura (composta por 14 entidades) os resultados das 70 entrevistas a pais portugueses com o ensino básico e com filhos entre os 6 e os 17 anos de idade, que seguem o mesmo guião das do Eurobarómetro, mas com perguntas em aberto.
“Do ponto de vista dos pais, e isto é uma singularidade muito portuguesa no espaço europeu, do qual Portugal destoa, temos um enorme fosso geracional do ponto de vista da educação dos pais”, explica Ponte, que exemplifica com “a baixa literacia e maior dificuldade de lidar com uma máquina nova” as dificuldades dos portugueses mais velhos.
Dados revelados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística mostram que 92,7 por cento dos portugueses entre os 10 e os 15 anos usam a Internet. Mas “chegamos às pessoas com 55 anos e só 18,7 por cento usam a Internet”, atenta Cristina Ponte. “É completamente diferente do que acontece na Holanda, na Bélgica, na Suécia, em que a percentagem dos adultos que usam [a Internet] é superior à das crianças”.
Aqui podem entrar as próprias crianças, atenta. “É uma ideia interessante que os próprios filhos sejam formadores dos pais no mundo digital. No inquérito, muitos pais disseram com orgulho que aprendiam com os filhos. É um aspecto interessante do relacionamento familiar.”
Aprender com os filhos
No sexto Dia Europeu da Internet Segura, a especialista chama a atenção para o outro elemento interessante descoberto nas entrevistas feitas por estudantes de doutoramento da UNL – “Muitos pais dizem que gostariam de aprender a usar a Internet com os filhos”, o que “provavelmente não apareceria noutros países.”
Os problemas do relacionamento dos progenitores portugueses com a web e com a vigilância da segurança dos seus filhos online sentem-se sobretudo entre aqueles com menor nível de escolaridade. Portugal é o país da Europa (dados de 2006, com a UE a 23) em que os adultos com idades entre os 30 e os 55 anos têm menos anos de escolaridade, de acordo com o European Social Survey Round 3.
Entretanto, ontem, dados da UMIC - Agência para a Sociedade do Conhecimento revelavam que cerca de 87 por cento dos portugueses com nível de ensino secundário usam actualmente a Internet, ocupando a quinta posição entre os cidadãos da União Europeia nas mesmas condições que mais acedem à rede.
Magalhães e a onda positiva
A importância da info-inclusão dos adultos portugueses evoca o discurso do Governo em torno do choque tecnológico e do Plano Tecnológico. Questionada pelo PÚBLICO sobre a relevância de projectos como o da entrega dos computadores Magalhães, Cristina Ponte considera que “há um discurso público do governo muito positivo em relação às novas tecnologias, mas é necessário introduzir elementos de formação para a segurança”.
Ainda assim, “o Magalhães foi uma pedra no charco - mesmo nas entrevistas [EU Kids] quase todos sabiam o que era. E havia muitos adultos que pensavam que, sendo um computador mais pequeno, seria mais fácil para eles aprender”, recorda Cristina Ponte. O que ficou a faltar foi a formação, nomeadamente para os pais e para a segurança – “A formação para pais e jovens deve fazer-se no sentido de desmistificar receios e para mostrar que é importante usar o computador e a Internet”.
Do estudo europeu e das entrevistas portuguesas, a investigadora continua a notar que “há muitas coisas que os filhos fazem na Internet que os pais desconhecem”. Os pais tendem a pensar que os filhos acedem à web para fazer trabalhos escolares e jogar, descurando a importância nos seus hábitos das redes sociais e dos downloads, por exemplo.
A Plataforma Internet Segura, mobilizada pela Associação de Mulheres Contra a Violência, conta com outros 13 parceiros - Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco; Centro de Competência da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Confederação Nacional das Associações de Pais; Comissão Nacional de Protecção de Dados; o Consórcio Internet Segura; Fundação para a Computação Científica Nacional; UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento; Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumidores; EuKids Online; Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação; Instituto Português da Juventude; Miúdos Seguros Na.Net; e Polícia Judiciária.
Entre as várias iniciativas que marcam o dia, arrancou ontem a Semana da Segurança na Internet na Escola, que se prolonga até dia 13.
Fonte: Público